top of page

A BACIA E SUAS LINHAS DE FORÇA - CADEIAS MUSCULARES GDS

 

    Venho separando alguns textos para o meu estudo e, também, para poder levantar novas questões em nossas discussões semanais. Entre os artigos selecionados que tinham relação com o tema de minha pesquisa, a bacia, um curiosamente me fez estabelecer inúmeras associações de idéias. Este trabalho foi publicado por Thierry Dumont (Canadá) no periódico Inforchaînes (Association Internationale des Praticiens de la Méthode GDS). Seu título era: Mobilisation de l`iliaque pour la restructuration du bassin. Trata-se do relatório de uma oficina, da qual tive oportunidade de participar no 1º Congresso Internacional da APGDS (Granada - Espanha 2007).

 

 

    Esse congresso foi incrível ! A começar pela caravana de brasileiros e, principalmente, por poder rever nossos queridos professores apresentando suas conferências. Mas, o meu texto de hoje começa pelo fim ... de minha viagem. Após o congresso, visitei a cidade de Barcelona e tive a oportunidade de conhecer alguns dos magníficos trabalhos produzidos por Antoni Gaudí. 

 

 

    Para quem nunca ouviu falar em Gaudí, ele foi um arquiteto de extrema importância para a história da arquitetura mundial. Ele viveu durante a Revolução Industrial (séc. XIX), período histórico que modificou profundamente a política, a sociedade e a econômica mundial vigente. Por conta desse cenário mundial, surgiu na Europa o movimento modernista em resposta às consequências da industrialização massificante nos grandes centros urbanos. O movimento moderno baseou-se na idéia de que as formas "tradicionais" das artes, literatura, organização social e da vida cotidiana tornaram-se ultrapassadas, e que era necessário se pensar sobre uma "nova forma" de cultura.  

 

    Gaudí, frente a esse "turbilhão" de acontecimentos, desenvolveu um estilo artístico inconfundível. Para ele, forma e função são inseparáveis. Nesse momento gostaria de fazer uma ressalva para lembrá-lo que não são apenas os profissionais que atuam nas terapias corporais que se utilizam das relações entre forma e função. Além disso, ele percebeu que a natureza não concebia formas regulares, ou se estas formas existissem, ocorreriam raramente. Outro adendo: lembra da assimetria visceral fisiológica ? Da mesma maneira, Gaudí transportou esses conceitos da natureza para a arquitetura. Seus conhecimentos de engenharia e a busca por praticidade, tornaram-no pioneiro na construção de edifícios que fundiam elementos medievais, desenhos de plantas e animais e inúmeras curvas sinuosas. Ao passear por Barcelona percebi como o movimento modernista criou raízes naquela bela cidade. Entrar na Sagrada Família foi algo revelador. Ele se inspirou no formato hiperbólico presente na relação biomecânica fêmur-ilíaco para fazer as colunas desta catedral catalã. Simplesmente fantástico, inesquecível !

 

    De certa forma, continuarei falando sobre arquitetura e engenharia, porém da humana, especialmente no que se refere a massa pélvica.

 

    No congresso ao qual me referi, participei da oficina do professor canadense Thierry Dumont. Sua proposta terapêutica foi utilizar as linhas de força mecânicas que incidem sobre o osso ilíaco, com o objetivo de remodelar a bacia, dar informações proprioceptivas e imprimir um correto senso de movimento. Para isso, Thierry fez um paralelo entre o Método da Coordenação Motora de Piret e Béziers e o Método GDS de Cadeias Musculares e Articulares.  

 

    Porque trazer esse texto para a nossa discussão ? Em primeiro lugar, sempre tive a curiosidade em pesquisar os autores e os temas que exerceram forte influência na concepção do Método GDS. Além disso, tenho constatado que muitos alunos que iniciam a formação se interessam em fazer esse mesmo percurso bibliográfico. Acredito que a leitura do consagrado livro de Piret e Béziers seja de fundamental importância para todos os profissionais da área da saúde. Entretanto, durante a fase inicial da formação no Método GDS, tal leitura pode gerar alguns conflitos de idéias. Sendo assim, meu objetivo neste texto é compartilhar a leitura deste assunto com você e fazer alguns ajustes conceituais, relevantes para a compreensão das Cadeias Musculares GDS.

 

 

    Para Piret e Béziers, "o principal papel dos ossos é participar do movimento; o papel secundário é assegurar a sustentação e a proteção". Para que essas condições ocorram na bacia é preciso que, em relação ao eixo da gravidade, a posição dessa estrutura seja horizontal. Nesta visão, o peso do corpo será recebido de duas formas: pelo sacro que deve ter um "platô horizontal" para receber o peso do esqueleto e, pelas asas ilíacas, que receberão o peso das vísceras. Sendo assim, a bacia se estrutura a partir de 2 linhas de força que se cruzam no acetábulo. O componente horizontal é constituído por 3 linhas de força. Destas, destaco uma que é exclusivamente óssea, a linha inominada ou linha ílio-pectínea. Por sua vez, o componente de sentido vertical distribui-se igualmente em 3 linhas de forças, sendo 1 linha sacral e mais 2 que estão lateralmente e seguem o sentido espinha ilíaca antero-inferior, acetábulo e ísquio. A disposição entre as linhas verticais formam um centro equidistante que proporcionam um equilíbrio em balança. As forças mecânicas recebidas pelo sacro (atrás) são transmitidas para o fêmur (frente) e ajustadas pela mecânica dos membros inferiores.

 

 

    Considerações importantes:

 

    Godelieve Denys Struyf também entendia que uma bacia "ideal" deveria ser horizontal. Aliás, já tive a oportunidade de descrever que encontramos essa característica em PA. Nessa tipologia psicocorporal, observamos, no plano sagital, não só a bacia, mas todas as demais massas alinhadas ao eixo de referência GDS. A oitava vértebra torácica está no ápice da cifose e as intermassas (as lordoses funcionais) estão corretamente ritmadas por AP. Mas Struyf utilizou, em suas análises, muitas outras referências biomecânicas. Por sinal, referências estas, que são descritas por Kapandji e por outros biomecanicistas. Assim, uma bacia teoricamente referencial, a vertical deverá tangenciar a espinha ilíaca antero-superior e o púbis. Além disso, uma segunda linha que passa pelas vértebras sacrais (S1 e S2) deverá formar, com a linha vertical, descrita anteriormente, um ângulo de 51 graus. Uma outra medida importante é o ângulo de inclinação sacral, mais conhecido como ângulo de de Sèze. A medida ideal encontra-se entre 30 e 34 graus. E, finalmente, temos o ângulo de cuneiformização entre L5 e platô sacral que deverá ter o seu valor entre 8 e 11 graus. 

 

    Agora, espero que tenha ficado um pouco mais fácil observar essa bacia no espaço e entender que as linhas de referência de Piret e Beziérs, que tinham um formato "em cruz” (Piret S. e Béziers M-M, fig 191 pág 130), para o Método GDS passam a ter um formato "em X” (Campignion P., fig 37 pág 88). De qualquer forma, o que importa, neste momento, é que a linha de referência de nosso eixo vertical deverá passar pelo mesmo local, a cabeça femoral.

 

 

    A partir da visualização destas linhas de força, o professor Thierry descreve, primeiramente, os movimentos em torno da linha ílio-pectínea (horizontal). Assim, a espinha ilíaca antero-superior pode se abrir pela ação de AL ou se fechar por PA e/ou AP. Por sua vez, o ísquio pode se aproximar por AM ou se afastar por PL. Com relação à linha vertical sacral, ela é dependente da forma estrutural do osso sacro, no que diz respeito à relação entre S1 e S2 (em extensão - PM, neutro - PA, em flexão - AM) e de seu posicionamento entre os ilíacos. Quando o encadeamento muscular PM exerce sua função útil, o sacro estará vertical e bem posicionado entre os ilíacos. Porém, diante de uma ação excessiva de PM, o sacro assumirá uma posição horizontalizada, conferindo uma certa instabilidade às articulações sacro-ilíacas. AM, por sua vez, tem uma função neste segmento restrita à articulação sacro-coccígea. Para finalizar, em relação às linhas verticais laterais, podemos observar a coaptação ou o bocejo, seja da articulação sacro-ilíaca ou da sínfise púbica.

 

 

    Uma questão ! Porque Piret e Béziers observaram as linhas de força, precisamente, verticais e horizontais ?

 

 

    Eu farei uma observação que é pessoal, mas que talvez tenha coerência... Acredito que isto tenha a ver com a experiência adquirida, por estas autoras, em suas pesquisas no campo do desenvolvimento da coordenação motora de crianças. Seguindo esse meu raciocínio, penso que Piret e Béziers se apoiaram em um processo que Godelieve Denys Struyf descreve como a "onda de crescimento". Certamente teremos oportunidade de conversarmos sobre esse assunto em uma outra ocasião. Assim, nesse momento, a tipologia PL (que coloca o indivíduo em abertura para o mundo externo) e AM (relacionada à estruturação ego e, na mecânica, responsável pela estruturação de uma base sólida de apoio) estariam se expressando de modo mais predominante. Tanto Piret como Béziers podiam estar diante de indivíduos que "viviam", "se expressavam" e "funcionavam" de maneira mais AM e PL. Por essa razão, teriam observado ilíacos em uma posição mais PL (em nutação) com sacro em AM (em contra-nutação).

 

 

 

    Para quem ficou na dúvida do que é nutação e contra-nutação, vale a pena lembrar que esses "micro" movimentos ocorrem no eixo articular da sacro-ilíaca. Os movimentos de anteversão e retroversão (básculas) ocorrem na articulação do quadril. Então, em nosso próximo encontro, a bacia voltará a ser o assunto em questão.

 

 

 

    Um abraço,

    Alexandre de Mayor

 

 

 

Bibliografia

 

 

 

. Béziers M-M. e Hunsinger Y. O bebê e a coordenação motora: os gestos apropriados para lidar com a criança. São Paulo: Summus; 1994.

 

. Campignion P. Aspectos Biomecânicos – Cadeias Musculares e Articulares – Método G.D.S. – Noções Básicas. São Paulo: Summus; 2003.

 

. Denys-Struyf G. Les chaînes musculaires et articulaires. Bruxelas: SBORTM (société belge d`ostéopathie et de recherche en thérapie manuelle); première édition 1979.

 

. Denys-Struyf G. La déformation des articulations sacro-iliaques, incidence sur la physiologie et les algies de la lombo-sacrée. Bruxelas: SBORTM (société belge d`ostéopathie et de recherche en thérapie manuelle); 1983.

 

. Dumont T. Mobilisation de l`iliaque pour la restructuration du bassin IN: Inforchaînes: La revue des praticiens de la Méthode G.D.S. Bulletins trimestriels édités et diffusés par les APGDS, France e Belgique: nº 28 décembre 2007.

 

. Kapandji IA. Physiologie articulaire: schémas commentés de mécanique humaine. Paris: Maloine; 1999.

 

. Piret S. e Béziers M-M. A Coordenação motora: aspecto mecânico da organização psicomotora do homem. São Paulo: Summus; 1992.

Um breve comentário sobre as linhas de força da coluna - Estudo dirigido

 

Renata Ungier

A torção do osso ilíaco, aspectos morfológicos e algumas referências mecânicas - Estudo dirigido

 

Alexandre de Mayor

CURSO Introdução e Noções Básicas GDS

bottom of page